quarta-feira, 3 de junho de 2015

Depois de duas semanas de indecisão, tomei coragem e cortei a unha do pé (ah, e outra coisa menos importante: assisti a Mad Max: Estrada da Fúria)

Tanto se alardeou sobre Mad Max: Estrada da Fúria que fiz o que sempre faço quando me recomendam efusivamente assistir a algum filme: ignorei completamente.

Para começar, não sou fã de filmes de ação. Quando quero injetar adrenalina no sangue basta dar três passos para fora de casa e logo um espião-ninja-caçador-de-recompensas-neo-romano-ortodoxo aparece do nada para tentar coletar o prêmio que colocaram pela minha cabeça.

Prefiro comédias, como A Lista de Schindler; dramas, como Curtindo a Vida Adoidado; ou até mesmo animações, como Dogville.

Mas, como já disse certa vez, o Universo gosta de me pregar peças desde aquela vez em que o venci numa partida de gamão no parque. E foi assim que acabei dentro de uma sala de cinema desavisadamente e acabei assistindo à essa grande baboseira que está sendo chamada de melhor filme de ação do ano.

Acontece que fiquei sabendo de um documentário chamado Papibaquígrafo: a História Nunca Contada, narrado em hebraico por Pedro Bial. Precisando desanuviar a mente um pouco, decidi deixar o escritório, mergulhar em uma sala escura e passar algumas horas viajando pela fascinante história daquela invenção que teve um profundo impacto na formação do meu caráter.


Peraí, galera. Só esperando o Waze pegar sinal aqui pra gente ver o caminho.

Chegando ao cinema, avistei uma gigantesca fila para comprar o ingresso. Nunca peguei uma fila na vida, nem mesmo quando trabalhei como guardador de lugar em filas. Fui até o início da linha e aguardei. Avistei um casal de idosos no caixa adquirindo um bilhete para a sessão que eu almejava ver. Eles seriam meu alvo. Bastaria causar uma distração e pegar os bilhetes.

Assim, montei um balcão e me passei por um atendente que estava distribuindo gratuitamente amostras de um novo purê de maçã enlatado. Enquanto os dois provavam o alimento, aproveitei para pegar os ingressos. Muito mais fácil do que esperar naquela fila interminável.

Mas não pensem que sou um mero aproveitador de velhinhos. Eu seria um grande patife se fizesse isso. Jamais! Meu organismo rejeita todo tipo de patifaria. Institutos alemães até mesmo coletaram amostras de meu sangue para produzir um soro anti-patifaria (ainda em fase de testes).

Sou um homem justo acima de tudo. E minha justiça nunca falha. Sou advogado, juiz, júri, réu, escrivão e executor, tudo num só. Por isso, o que fiz foi efetuar uma troca: peguei os ingressos, mas substitui-os por dois vale-check-up-cardíaco grátis. Uma compensação mais do que honesta!

Assim, munido do bilhete, me dirigi à sala. Aí entra a mão ardilosa e fanfarrona do Universo. Por um defeito da máquina que imprimiu o bilhete, o número da sala foi trocado. Só percebi o erro quando o filme começou e Mad Max começou a ser projetado na telona. Na hora me arrependi profundamente de ter me livrado dos meus vale-check-up, ainda mais porque eu já estava sentindo algumas dores lancinantes no peito havia uns oito meses.

Tive de me resignar e ficar na sessão, já que o documentário devia ter começado há uns 30 segundos. E Braddock Lewis jamais se atrasa. Bem, comecei a lembrar de todas as críticas e resenhas que li idolatrando Mad Max, críticos enaltecendo o diretor como o arauto de uma nova era para os filmes de ação, dizendo como o longa redefinia o próprio conceito do cinema, com atuações que fariam Tony Ramos se envergonhar profundamente de ter enveredado pelas artes cênicas.

E agora, com muito menos palavras do que todos esses entusiastas patifes de uma figa usaram, definirei agora exatamente o que é esse filme: uma mistura de Velozes e Furiosos, Lata Velha do Luciano Huck e Priscila, A Rainha do Deserto. Aí está seu Mad Max. Bom filme a todos, otários.


Maldito................. grão............. de areia................. no olho!


Quer dizer que era só eu ter ficado sentadinho esperando a galera ir até a puta que pariu, quebrar a cara e voltar pra casa? Merda, eu devia ter lido o fim do roteiro logo!


Muito bem! O próximo palhaço que gritar "toca Raul" vai levar lança-chamas na bunda!


Para tudo! Deixei cair meu iPhone. Todo mundo procurando, cambada! Ninguém sai até encontrar!

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Sessão descarrego no farol


Dentro de meu Chevete baleado a fumaça de meu cigarro captura minhas dúvidas como insetos na teia de uma aranha. Quem sequestrou a sobrinha da senhora Freitag? Como vou pagar minhas dívidas sem vender um rim pela quarta vez? Quantos eram os Três Reis Magos? O que quer dizer essa luz vermelha que acabou de acender no painel do carro?

Eu precisava sair do escritório. Gastar a borracha dos pneus ajuda a fazer o pensamento fluir. Mas minha mente parece ter mais buracos que o asfalto, e o raciocínio vaza através dela como conhaque barato derramado no escorredor de macarrão.

As últimas semanas não têm sido fáceis. Alguém com menos estômago já teria alojado uma bala de aço nos miolos, mas não sou o tipo que faz pião de roda-gigante. Seja lá o que isso quer dizer.

Alguns metros adiante o sinal fica vermelho. Não desacelero de imediato. Penso em descontrair um pouco com uma brincadeira que costumava fazer em minha juventude: fechar os olhos, acelerar fundo e atravessar o cruzamento no sinal fechado. Bem, talvez a idade tenha me deixado mais prudente. Resisto à tentação e piso no freio. Pensando bem, melhor não arriscar mesmo, acabo de passar a perna no Universo e ele deve estar à espreita querendo me dar o troco. Melhor não facilitar as coisas para esse moleque vingativo.

Distraído, não noto quando uma criatura se aproxima de meu carro. Ela se esgueira pelo ponto cego de meu retrovisor e aparece subitamente de meu lado. É um rapaz maltrapilho, com dizeres pintados a tinta verde na cara e nos braços. Algum código usado entre gangues ou tribos urbanas, presumo. Ele bate no vidro e faz um sinal com o polegar, um sorriso de excitação juvenil no rosto. Só então me dou conta. Estamos naquela época do ano em que jovens púberes invadem as ruas para mendigar alguns trocados e encher a cara de cerveja de qualidade inferior sob o pretexto de celebrar a entrada em alguma instituição superior de ensino. Para a maioria deles é um bom treino para o futuro, penso.

Do canteiro central, eles saltam em meio aos carros assim que o sinal se fecha como gafanhotos invadindo uma plantação de alface, abordando os motoristas incautos como se o mundo lhes devesse admiração. Para mim é o mesmo que um alpinista querer receber honrarias por ter dirigido um trator até o pé do Everest. Vejo a alegria estampada em seus rostos espinhentos. Inocentes. Aprendi tudo o que precisava na faculdade da vida, me pós-graduei combatendo o submundo do tráfico de Atum da Normandia, fiz mestrado na Guerra Civil do Tadjiquistão, e me doutorei na FAAP.

Contemplo meu abordador, os músculos da face ainda sustentando um sorriso cretino. Abaixo o vidro lentamente. Ele solta:

“E aê, tio, vê aí um trocado pra ajudar os bixos”.

Grande erro! O moleque é incinerado por meu olhar severo. Na hora percebe que escolheu o carro errado para vir mendigar. Ele tenta esboçar alguma reação diante de meu silêncio reprovador, mas ele se vê totalmente paralisado, como a caça que sabe que não adianta correr do predador: só lhe resta desviar a mente da dor que as presas causarão ao rasgar sua carne.

Com uma voz trovejante, digo ao infeliz:

"Eis o que vai acontecer com você, patife: você vai juntar alguns trocados hoje e encher a cara com meia dúzia de outros moleques que se acham bons demais para tentar ser alguém melhor na vida. Vai começar os seus estudos e discordará de tudo, porque acha que o mundo deve se adaptar às suas ideias, e não o contrário. Então vai se reunir com outro bando de vagabundos mimados como você para papagaiarem baboseiras e anacronismos que leram em livros empoeirados e terem uma boa desculpa para usar todo tipo de drogas em que conseguirem botar a mão, achando que aquelas alucinações na verdade representam uma expansão de sua limitada capacidade cognitiva. Você e seus comparsas vão achar que entendem a realidade melhor do que ninguém, veem o que mais ninguém vê, que possuem a solução para todos os problemas do mundo, que aqueles que discordam de vocês merecem ser achincalhado em praça pública e que o mundo deve lhes colocar nos ombros e aclamá-los como salvadores. Então vão pintar cartazes e sair por aí gritando palavras de ordem para tentar fazer os outros engolirem suas ideias, mas quando perceberem que ninguém compra a farsa que vocês estão tentando vender vão se emburrar, se revoltar e começar a espalhar o caos e a desordem usando justificativas vagas e distorcidas, apenas para dar vazão a seus impulsos destrutivos e seu egoísmo desenfreado. Quando finalmente tomar consciência de si, vai perceber que os dias de arruaça apenas consumiram pedaços de sua vida que poderiam ter sido melhor aproveitados para preparar-se para o futuro, mas aí será tarde demais. Você se verá incapaz, desqualificado, despreparado. Sua única saída será arrumar um emprego medíocre para sobreviver. Então vai assistir lentamente, dia após dia, a seus sonhos agonizarem e morrerem, um por um. Até que tudo o que vai sobrar dentro de seu espírito doente será a nostalgia de uma ilusão que você jamais viveu, e então passará o resto de seus dias tentando reencontrar a alegria de viver assistindo a vídeos de humor no Youtube escondido do chefe em um escritório mofado que fará uma ala de UTI parecer uma balada de Ibiza."

O moleque fica instantaneamente com cara de pano molhado. A felicidade escorre de seu rosto para o canto mais amargo e escuro de sua alma. No lugar de um sorriso resta apenas a face retorcida da vergonha e da desgraça. Vejo o pânico e o desespero dominar cada fibra de seu corpo.

Decido então acabar com o sofrimento dele e dou o golpe de misericórdia:

“Você entrou em que curso, rapaz?”, pergunto com minha voz trovejante.

“J...j... jornalismo...”, ele responde com as forças que ainda lhe restam.

“Ótimo, já vai mesmo treinando para pedir dinheiro no farol”, replico.

Sinal verde. Arremesso uma moeda de um centavo no olho do desgraçado, dou-lhe um peteleco na ponta do nariz e vou embora, deixando-o parado em meio aos carros, inerte diante da cruel realidade que lhe tomou de assalto.

Sinto a mente muito mais leve. A névoa se dissipa e os fios do raciocínio começam a se ligar. De repente, vislumbro uma saída para o mistério que eu vinha tentando resolver. Aos poucos, as dúvidas iam se dissipando, e mais uma resposta se revelou a mim quando o motor do meu carro superaqueceu e descobri o que aquela luz vermelha significava.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Epíteto, é o que amo

Outro dia, reparei em como não vemos mais pessoas usando chapéus por aí. Isso me fez pensar: o que aconteceu com os epítetos? Em que ponto da história resolvemos descartar esse belo apêndice de nosso cotidiano?

O epíteto facilita a vida de todos. É como um minicurrículo atrelado ao nome. Assim é possível saber o que esperar de alguém sem precisar engajar em nenhum tipo de papo-furado. Salva tempo e energia, ou, como gosto de dizer, mata dois patifes enfurnados em um covil em um bairro da pesada com um golpe de alabarda só.

Ah, bons tempos em que cada nome vinha acompanhado de um aposto . "Ulisses, o bravo"; "Heitor, o prodígio"; "Androceu, o polinizador"; "Jeremias, o criador de porcos". Tempos gloriosos, lembro-me como se pertencesse a um passado remoto que se tornou apenas um borrão em minha memória.

Vejam como os epítetos seriam úteis, ninguém precisaria fazer milhares de entrevistas até encontrar uma babá confiável com quem deixar os filhos. Afinal, seria muito fácil evitar sujeitos como "João, o molestador", "Tião, o pedófilo" ou "Josefina, a sequestradora". Do mesmo modo, nenhum filho contrataria uma enfermeira para cuidar dos pais idosos chamada "Adalgiza, a espancadora de idosos". Ninguém correria riscos pedindo favores para "Rubens, o imprestável", ou emprestando dinheiro para "Heitor, o caloteiro". No mundo corporativo, ninguém promoveria a um cargo de chefia "Roberto, o lesado", e nem colocaria nenhum "José, o desequilibrado" para dirigir uma empilhadeira.

Aliás, acho muito propício, nesse momento, anunciar a campanha mundial que estou lançando aqui no bairro. Chama-se “Epíteto - Escolha o seu, antes que escolham pra você”.

Por via das dúvidas, fiz uma lista de possíveis títulos que podem acompanhar meu nome. Afinal, nunca se sabe quando uma moda vai voltar. Vejam as costeletas, por exemplo. Estão em toda parte agora. Aliás, é bom que quando os epítetos voltarem venham acompanhados de suspensórios. Não entendo porque paramos de usar suspensórios. E broches.

Segue a lista, fiquem à vontade para utilizar como for conveniente:

Braddock Lewis, o sábio

Braddock Lewis, o prudente

Braddock Lewis, o sagaz

Braddock Lewis, o temível

Braddock Lewis, o esclarecido

Braddock Lewis, o esclarecedor

Braddock Lewis, o inevitável

Braddock Lewis, o interlocutor

Braddock Lewis, o associável

Braddock Lewis, o parcimonioso

Braddock Lewis, o retilíneo

Braddock Lewis, o imperscrutável

Braddock Lewis, aquele que não perdoa

Braddock Lewis, aquele que não deve ser nomeado, a não ser como Braddock Lewis, aí beleza

Braddock Lewis, aquele que nunca esquece

Braddock Lewis, aquele que não se distrai

Braddock Lew... EI, VEJAM, UM BOTÃO!!!

Braddock Lewis, o guardião do Destino

Braddock Lewis, o fiscal do Destino

Braddock Lewis, o corregedor do Destino

Braddock Lewis, o coletor de impostos do Destino

Braddock Lewis, o procurador-geral do Destino

Braddock Lewis, o servidor lotado no gabinete geral do Ministério do Destino em Guaratinguetá (SP)

Braddock Lewis, aquele que só fala uma vez

Braddock Lewis, aquele que nunca esquece

Braddock Lewis, aquele que jamais deixa uma tarefa incompleta

Braddock Lewis, aq

































Ops,

Braddock Lewis, o preponderante

Braddock Lewis, o ineditável

Braddock Lewis, o arauto da verdade

Braddock Lewis, a pedra no sapato da humanidade

Braddock Lewis, o fiapo de manga entre os molares da sociedade

Braddock Lewis, a farpa de madeira debaixo da unha do mundo

Braddock Lewis, o peteleco na orelha do conformismo

Braddock Lewis, o piparote no gogó do Universo

Braddock Lewis, o golpe de toalha molhada nas nádegas do Cosmo

Braddock Lewis, o cisco no olho do Progresso

Braddock Lewis, a espora nas ancas da Modernidade

Braddock Lewis, a anchova na pizza de frango com catupiri da raça humana

Braddock Lewis, aquele que nunca esquece

sábado, 7 de dezembro de 2013

De volta à Academia... ops, apertei caps lock sem querer, quis dizer academia de ginástica, não uma instituição de ensino

Então, resolvi voltar à academia. Isso mesmo. Estive parado mais por falta de tempo do que de vontade.

Não sou um desses incautos que julgam ser mais importante exercitar a mente do que o corpo. Esses coitados entendem tanto da vida quanto um recém-nascido.

Também não vou à academia por fins estéticos. Não critico quem o faça, afinal que motivo eu teria para me importar com o que os outros fazem ou deixam de fazer com suas vidas cretinas? Já tenho trabalho suficiente criando meu filho por correspondência e tendo que visitá-lo uma vez por década no sul do Putaquepariquistão. Os outros que façam o que bem entenderem da vida, desde que não me encham a paciência nem atentem contra a ordem social e os bons costumes.

Apenas ressalto que ir à academia com essa finalidade é um desperdício de tempo, quando se poderia estar perseguindo objetivos concretos muito mais úteis. É como se um jardineiro podasse uma árvore apenas para deixá-la visualmente atraente, permanecendo alheio ao fato de que a prática torna os frutos mais nutritivos e deixando de aproveitar o alimento. Entenderam? Explicarei melhor (quem sabe?)!

Nessa vida a inteligência, a astúcia e a perspicácia são tão importantes quanto força, agilidade e um sistema imunológico eficiente.

Vivo segundo três princípios: 1) a mente deve ser tão forte quanto o corpo; 2) o corpo deve ser tão forte quanto a mente;  3) a mente e o corpo devem ambos possuir força equivalente, de modo que ao serem somadas e divididas por dois, cada parte volte a seu estado de origem sem sofrer nenhuma alteração de volume ou área.

A questão é: vivemos em tempos bestiais. A cada dia a Gentileza adoece um pouco mais em um leito contaminado em algum hospital imundo; a Cordialidade se tornou uma moribunda que compartilha seringas em becos com a Ternura e a Compaixão, aguardando a dose que lhes colocará fim ao sofrimento; a Fraternidade é uma mendiga louca, que anda por aí entoando frases desconexas; o Respeito, ah, o Respeito... esse saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou.

Nas ruas, nas escolas, nas padarias, o que se propaga é a vilania, o egoísmo, a insensibilidade. A babaquice é o grande mal do século, e na maioria das vezes o diálogo é inócuo para neutralizá-la. Afinal, de nada adianta sua eloquência, suas argumentações, seu raciocínio bem estruturado quando o interlocutor é um verme com o caráter de um estuprador de idosas e a compreensão de um texugo com encefalite progressiva. Às vezes é melhor economizar saliva e deixar os punhos falarem.

Por isso acredito que é preciso se manter pronto para o confronto físico. Afinal, a qualquer minuto você pode ser destratado por um caixa de supermercado e ter de ensiná-lo a tratar um cliente de maneira apropriada; ou ainda talvez você precise abrir caminho para fora do metrô lotado com uma boa dose de empurrões; ou então pode ser necessário ensinar bons modos a algum sujeito que buzina atrás de você no trânsito um micro-milésimo de nano-puto-segundo após o farol ficar verde; ou quem sabe seja preciso colocar algum imbecil de ego inflado em seu devido lugar com meia dúzia de sopapos.

Quando o Apocalipse se instalar - o que não vai demorar muito, pelos meus cálculos -, não pensem que a humanidade se unirá pela desgraça e dará início a uma nova era guiada pela razão e pela bem-venturança.

Nada disso! Será uma grande, sangrenta e interminável batalha pela sobrevivência. Eu sei! Eu vi! Por isso mesmo, tenho o cuidado de manter a forma física assim como a destreza mental, e um bom par de cuecas limpas.

"Mas Braddock, você está pregando a violência?" Ora, que pergunta, é claro que sim! Só que uma violência consciente e positiva. Mas disso tratarei mais para frente, quando eu provar por (A + B) - C/3% que o ditado "não julgues para não seres julgado" não passa de um mantra da opressão!






Academia ao ar livre em Kiev, na Ucrânia. Porque um pouco de tétano não faz mal a ninguém. (Crédito: Marcos Mion)





Mas como eu dizia, me matriculei em uma academia. Nada de especial, nada moderno. Apenas alguns aparelhos enferrujados já são o suficiente para eu me exercitar. Como é costume, precisei realizar aquele tal de exame de saúde. O instrutor, um tipinho esquisito, vestindo uns oito números menores do que o tamanho dele, veio fazendo aquelas perguntas de praxe. “Fuma?”, “bebe?”, “joga?”, "vai ao banheiro com frequência?", “alguma doença grave na família?”. “Sim”, “sim”, “sim”, “s... cale a boca e termine logo com isso”.

Depois disso, o instrutor precisou mostrar como operar aqueles aparelhos. A cada exercício que passava, ele repetia como um mantra: “não esqueça de respirar, hein?”. Tomei aquilo como um insulto. Como assim não esqueça de respirar? Quem se esqueceria de tal coisa? Isso é o tipo de lembrete que você precisa dar a maratonistas aquáticos, uma testemunha de um crime sendo asfixiada com um saco plástico por um mafioso ou ainda aos passageiros de uma aeronave que sofre uma despressurização durante uma turbulência enquanto sobrevoa o Mar Adriático.

Por isso, após a quinta vez que ele repete aquela frase, agarro o maldito pela alça da regata, o levo até um tonel cheio de água da calha e mergulho a cabeça do infeliz. Quando permito a ele emergir novamente, digo para ele: "não se esqueça de respirar, cretino". Então volto a submergi-lo.

Bem, de nada adianta músculos sem agilidade e conhecimento de batalha. Por isso também resolvi praticar artes marciais. No primeiro dia, o professor nota minha técnica e pergunta se eu já havia praticado alguma luta antes. Explico que não, mas nos dias em que vivi nas florestas hiperbóreas eu costumava enfrentar diariamente ursos-pardos para proteger meu estoque de geléia de atum.

O professor então resolve me dar um teste. Ele manda que eu suba no ringue para fazer um sparring com um dos alunos mais graduados de lá, um sujeitinho baixinho e troncudo, muito se assemelhando a um pote de palmito. Ele vem para cima de mim, então, rapidamente, saco meu revólver e dou um tiro na coxa do infeliz. Mais uma vitória em meu cartel.

E é isso. Agora sumam daqui.

Fique mais um pouco e leia uns textos antigos:
Essa história me lembrou uma crítica que fiz de um filme muito famoso. Descubra qual! Vamos, descubra, clique aqui, porra!
Braddock Lewis em: o terror que vem dos céus
Braddock Lewis e o pênalti da discórdia

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Antologia do ônibus XXVVIIIIIIQVI

Tive que voltar a tomar o ônibus depois que o motor do meu Chevete baleado superaqueceu. Depois disso me arrependi de ter usado o líquido de arrefecimento para fazer uma sopa de couve-flor.

A sopa estava deliciosa, não entendam errado, mas agora vou ter que desembolsar uma bica para reparar o maldito motor, o que significa que terei de adiar de novo minha cirurgia de reimplante do ciso (sim, ele me faz muita falta). Ou talvez, em vez de gastar uma bica no carro, eu literalmente dê uma bica na têmpora do mecânico e fuja enquanto ele estiver desacordado sobre uma poça de óleo. Torço para que ele cometa um deslize que justifique essa medida. Afinal, não sou nada menos do que justo.

Enquanto aguardo o desenrolar dos acontecimentos para aplicar minha sentença àquele rato de motores, o ônibus volta a ser meu principal meio de locomoção por esta cidade nojenta. Logo percebo as mudanças que o transporte público sofreu nos últimos tempos. As barras de apoio foram pintadas de amarelo. Só.

Pensam que não é uma grande coisa? Pois imagine que, por um segundo, você tenha que retirar a mão da barra para coçar a cabeça com o veículo em movimento; ao mesmo tempo, o motorista sofre do tradicional espasmo na perna (síndrome que acomete nove em cada oito motoristas de ônibus) e - acidentalmente, claro - afunda o pé no freio, reduzindo instantaneamente a velocidade de 87 km/h para 8 km/h. Nesse momento, totalmente surpreendido, você só poderá contar com seus reflexos para não ser apanhado pela mão impiedosa da inércia e ser arremessado de cabeça contra o pára-brisa. É aí que a barra recém-pintada de uma cor vibrante fará toda a diferença, pois será mais facilmente captada pelo aparelho ocular, que enviará sinais para o córtex subalterno pré-frontal (possivelmente) desencadear a descarga elétrica que impulsionará o braço na direção da barra e o salvará de virar uma bola de pinball humana dentro de um tubo de lata gigante cheio de quinas mortais.

Sim, aposto que você agora está revendo seus conceitos, e pensando que talvez não esteja sendo tão justo ao reclamar das condições do transporte público; de como exagerou ao sair bradando por aí que as autoridades não fazem nada para melhorar a vida dos passageiros de coletivos.

Arrependa-se!



Reparem como o cinza prejudica a visibilidade e a coordenação motora dos passageiros (crédito: um cobrador sem senso de direção)



O ônibus finalmente chega, empurro quem estiver à frente, abrindo caminho até a roleta. Quando uma senhora passa seu cartão liberando a catraca, rapidamente lanço uma cortina de fumaça que cega a todos momentaneamente e me esgueiro girando a roleta, um pequeno truque que aprendi com um assistente social para pegar condução de graça. Que se matem nas ruas por causa do passe livre. Eu faço minha própria tarifa!

Vou avançando em meio àquele caos humano a cotoveladas, e enfim consigo achar um espaço para esticar minha rede entre duas barras de segurança bem em frente à porta de desembarque, obrigando os passageiros a abaixar para conseguir sair.

No meio da viagem, vejo uma mulher pedindo licença aos outros passageiros e avançando em direção à porta de saída, no fundo do veículo. Com apenas uma das mãos, ela tentava se equilibrar, se jogando de barra em barra entre os solavancos do ônibus. Com a outra mão, ela segurava a filha pequena, que, ao contrário da mãe, parecia estar se divertindo com a situação inusitada. Deduzi que devia ser a primeira viagem de ônibus da garota.

Quando finalmente a mulher conseguiu chegar perto da porta, ela iniciou uma conversa singela com a pequena.

- Está vendo filha? É assim que a mamãe vai para o trabalho todo dia.

- Eu também vou andar de ônibus quando crescer? - perguntou a jovem incauta.

- Claro que vai, filha. Quando for maior, vai andar todo dia de ônibus.

Sou tomado de uma inesperada sensação de piedade. Em um raro momento de compaixão, algo que acontece a cada dez anos bissextos (se não for ano de Olimpíada), penso comigo mesmo se não seria melhor pegar aquela jovem infanta e arremessá-la para fora do veículo em movimento, e assim poupá-la do sofrimento futuro.

Já que a mãe não se importava com o destino da própria filha, num terrível ato de abandono maternal, caberia a mim salvá-la.

Contudo, no momento que me virei para abrir a janela, o ônibus parou e as duas desceram.

Até hoje o rosto daquela pobre criança me assombra. Viverei para sempre atormentado pela chance desperdiçada de salvar uma vida inocente.

Em vez de ver algum viral no YouTube, leia mais:
Sua boa ação do dia: ajude alguém a chorar

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Corram para as colinas... então, colham maçãs e façam uma torta: eu voltei!

Muito bem. Os leitores que avidamente entram neste blog a cada fração de segundo em busca de palavras de extrema sapiência em algum momento devem ter notado que estive ausente durante um longo período. Sim, realmente me fui. Estava aqui, mas no instante seguinte isso já não era mais verdade. E assim continuou por um bom tempo, até que voltou a ser verdade novamente. Ou seja, agora é incontestável!

Não sou de dar satisfações. Nunca o fiz para o governo, para a Receita Federal, nem para meu agente da condicional. Ao meu progenitor, prestei esclarecimentos uma única vez, exatamente quando expliquei o porquê eu não explicaria mais nada. Mas abro uma exceção para os nobres 14 leitores deste blog (parece que houve uma debandada de sete leitores devido ao longo hiato sem atualizações) e contarei, resumidamente, o que se passou nesses quatro meses em que fiquei sem postar.

Sem muito mistério, estive dando continuidade ao meu globalmente famoso serviço de consultoria. Primeiro, fui até Falujah para dirigir a implementação de uma mesquita; depois, passei pelo Iraque e fui convidado pelo presidente local a acompanhar a primeira cerimônia de casamento entre pessoas do mesmo sexo por lá; mais adiante, estive nos Estados Unidos, onde tomei um porre homérico com George W. Bush (que figura) e juntos saímos colando chiclete mascado na maçaneta de carros estacionados nas ruas.

Iniciei minha volta à América do Sul no lombo de um javali selvagem, que tentou me assassinar enquanto eu dormia para roubar meu passaporte italiano. Fiz uma rápida parada em Cuba e apostei com Fidel que ele não conseguiria dar um mortal para trás. Claro que o velhote aceitou a aposta, e claro que perdeu. A paga foi um fusquinha velho com o qual pude concluir minha viagem de volta para casa.

Tudo isso me tomou cinco dias. Mas quando cheguei em minha toca percebi que havia esquecido as chaves no armário do clube onde me reúno todas as quintas-feiras para a saudável prática de queimar bíblias em rituais satânicos.

Fui até lá e, uma vez em posse de minhas chaves, estava a caminho de casa quando, de repente, fui atropelado por uma betoneira. Acordei em um hospital três horas mais tarde, com os médicos em alvoroço. Um deles veio a mim e disse que eu havia sofrido uma fissura no crânio, mas ninguém estava disposto a realizar a cirurgia reconstrutiva por ser considerada muito arriscada. Sem tempo a perder com aquela choradeira, peguei um grampeador, remendei a cabeça e fui embora sem pagar a conta.

Quando finalmente cheguei em casa, percebi que minha internet estava com problemas de conexão. Chamei a companhia e eles agendaram uma visita para o dia seguinte. Só apareceram mais de três meses depois. Fizeram o serviço, e aqui estou eu.

Sim, anunciem aos ventos: Braddock Lewis está de volta e preparado para ser a incômoda farpa de madeira debaixo da unha do mundo. Podem aguardar!

Retomando o fio da meada com uns posts antigos:

Uma boa ação: ajude alguém a chorar
Série (ou será uma, quando houver várias partes): Antologia do Ônibus

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Sua boa ação do dia: ajude alguém a chorar

Ontem o dia estava deveras belo, absolutamente nublado e frio como em uma geladeira industrial. Movido por essa sensação, decidi fazer um dos programas que mais me apetecem: tomar uma cerveja com petiscos. A bebida, como sempre, estava estocada em casa. Portanto, saí para comprar os comes: deliciosos picles de cabeça de bagre que a padaria Zoroastra costuma vender às terças pela tarde.

De balde cheio, vinha descendo a rua quando passei por um orelhão e vi uma moça que esperava alguém atender sua ligação. Antes mesmo de ouvir um “alô” do outro lado da linha, a infeliz já apresentava sinais de desidratação de tanto chorar. Se aquela blusa fosse torcida, seria capaz de apagar um incêndio de pequenas proporções.



(Uma deliciosa cabeça de bagre pronta para o consumo. Crédito: Aquaman)





Imediatamente parei, fulminei a referida com um olhar de reprovação e perguntei o motivo daquela perturbação da ordem pública. Ela disse, então, tratar-se de um namorado que não mais respondia suas ligações.

“Garota, eu não derramei uma lágrima sequer quando observei um incêndio consumir minha casa e abreviar a vida de minhas oito chinchilas. Trate de se controlar.” Inútil dizer que isso só a fez abrir ainda mais o berreiro. Então eu disse: “Vou lhe dar um motivo para chorar de verdade”. Arranquei-lhe o telefone da mão, bati violentamente no gancho e terminei por vê-la, em estado de absoluto estarrecimento, rolando rua abaixo abraçada a uma das minhas cabeças de bagre como se fosse a chave para a salvação da sua vida.

“Oras, mas que crueldade gratuita, que sadismo desmedido, Braddock”, devem pensar os leitores menos esclarecidos. Nada disso! Trata-se de uma atitude absolutamente sensata e justificada. Afinal, sou um homem que se mantém fiel às suas promessas.

Explico: nos idos de 1973, quando morava no interior, como celebridade (por aqueles lados, bastava saber ler o próprio nome e dividir por 2 para ser uma celebridade), fui convidado para julgar um concurso de beleza de porcos-da-Índia. Ah, vocês não sabem como os nervos afloram quando o assunto é a beleza dos porcos-da-Índia.



(Aí está Rupert, o porquinho-da-Índia, sendo treinado para a prova de talentos do concurso. Crédito: um labrador sarnento)






Não passarei por cada um dos excruciantes detalhes dos 23 dias de competição e pularei direto para o final da história, a hora do anúncio dos resultados. As donas das pobres criaturas, horas antes de começar a cerimônia, já se punham a chorar de maneira carpideira. Oras, os senhores conseguem imaginar algo mais desnecessário e irritante? Não, nem mesmo gastar R$ 500 em um corte de cabelo é tão ridículo! Por isso mesmo não poderia ter deixado aquilo passar em branco. Desde aquele maldito dia, fiz o juramento de que nunca mais deixaria alguém chorando sem um devido e merecido motivo.

Pois bem, essa é a história. Agora sumam daqui, mas não sem antes dar uma topada com o dedão em um móvel pontiagudo. E não ousem derramar uma lágrima!

> Minha autobiografia não autorizada