quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sinfonia da destruição

Música não é meu forte. Você pode dizer que sou um cara insensível, mas não é bem assim. Após passar alguns anos nesse ramo os sentidos se modificam, a audição se ajusta para conseguir captar o sutil ruído de uma Magnum sendo engatilhada em meio à multidão, ou o som de um pino de granada sendo retirado atrás do balcão de um boteco imundo.

No meu carro, a única coisa que toca no rádio é a frequência policial. Meus compositores favoritos são Smith & Wesson. Deleito-me com a rajada de uma submetralhadora em fá menor. Aprecio a melodia do gorgolejar banhado em sangue de um larápio tentando, com seu último sopro de vida, fazer as pazes com Deus (está bem, essa imagem foi um pouco forte, mas essa é a realidade. Encare-a ou seja engolido por ela!).

Simplesmente perdi o ouvido para a música. Ela se reduziu a mero ruído para mim, acordes se tornaram uma massa de sons desconexos, campos harmônicos passaram a ser tão convidativos quanto campos minados.

Mas nem sempre fui assim. Em meus idos anos de juventude, eu gostava de música e almejava fazer dela meu sustento. Até estudei em conservatórios, e cheguei a ser o segundo alaudista (tocador de alaúde) da filarmônica de Varsóvia. Quando a orquestra acabou - por falta de verba e uma epidemia de cirrose que atingiu metade dos integrantes -, parti para novas vertentes.

Naquela época nascia a NWOBHM (New Wave of British Heavy Metal). Ouvi pela primeira vez as bandas que faziam parte do movimento quando uma tempestade de neve se abateu sobre meu sítio e tive de ficar seis meses preso dentro de casa. Meu único passatempo era um velho rádio movido a diesel, e com uma antena improvisada com uma caneta Bic espetada em um pedaço de queijo eu conseguia captar composições de grupos como Iron Maiden, Motörhead e Saxon flutuando nas frequências sonoras. Fiquei fascinado com aquele som, e comecei a estudar o estilo.

Montei uma banda de heavy metal chamada Os Esmigalhadores de Pão de Alho do Amanhã, que fez um grande sucesso no leste europeu.

Chegamos ao topo das paradas húngaras com o disco The Kids of the Future (Don't Wanna Have More Chicken). Nossos concertos lotavam alas de queimaduras de terceiro grau de hospitais de campanha em assentamentos israelenses; éramos aclamados pelos transeuntes nos metrôs de Nova York e batíamos recordes de gorjetas em caixas de sapato, para inveja dos músicos de rua concorrentes; chegamos até a abrir shows para renomados grupos de flautistas peruanos na Praça da República, em São Paulo.

Meu sonho de viver por meio da música estava encaminhado, mas o destino reservou outro caminho para mim, ou fui eu que escolhi a direção errada naquela fatídica quinta-feira... bem, isso não vem ao caso agora.





(Aí estão meus instrumentos musicais.
Crédito: um atabaque saxofonista)







O que quero dizer é que eu estava no ônibus um dia desses quando ouvi uma cacofonia emanando do fone de ouvido de um jovem por volta de seus 17 anos. Uma batida tribal, repetitiva, primitiva, com uma voz anasalada emitindo palavras que só poderiam ter sido achadas em algum esgoto a céu aberto. Perguntei o que raios era aquilo que ele estava ouvindo e que estava empesteando o ambiente. Ele me disse se tratar de "fânqui" (não confundam com o funk). Interessante, eu disse, então saquei minha navalha e cortei os fios do fone de ouvido do garoto, pincei-lhe o nervo do ombro e disse para ele arrumar um emprego e se tornar alguém na vida.

Fico preocupado ao ver a proliferação de músicas desse nível, que não têm nada a acrescentar à humanidade. Além desses autoproclamados MCs que denigrem o nome do estilo que lançou figuras geniais como James Brown, há ainda universitários sertanejos (que, pela qualidade que apresentam, só podem estar matriculados em alguma UniVocêÉumRetardadoMasNóisAceitaSuaGrana), bandinhas de rock juvenis que fariam Jim Morrison colocar mercúrio líquido na seringa para se poupar do sofrimento de ouvi-las, tocadores de pandeiro com seus sorrisos artificiais ou esses apertadores de botões com sua trilha sonora de fliperama. Entre outras patifarias.

A música atual está intoxicando essa geração que em breve estará à frente de uma nação cujo futuro é achar que tem um futuro. Digam-me: que tipo de cidadão sairá daí? Como os jovens vão se preparar para encarar a vida ouvindo essas músicas? Como estarão preparados para enfrentar um urso, por exemplo?

Vejo nuvens negras se formarem no horizonte. Agora com licença que vou ouvir o disco de Natal da Simone.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Efeito borboleta

Já é conhecimento de todos que não temo a dor, a morte e o sofrimento (nessa ordem). Também nunca tive medo de assalto, acidente de avião, envenenamento por gás-mostarda, pia entupida, mordida de tubarão ou ataque de rottweiler. Por isso vai parecer estranho o que tenho a dizer. Mas devo admitir que há uma única coisa capaz de  me causar certo temor neste mundo. Ou melhor, uma única criatura.

Na verdade, não se trata de medo, e sim um misto de cautela com instinto de sobrevivência. Pois quando se está frente a frente com esse animal, qualquer deslize pode significar uma morte dolorosa e um cadáver em um estado em que nem os corvos iriam querer bicar.

Trata-se de um dos seres mais abomináveis e sórdidos que existem na natureza. Com terríveis asas de couro, trazem a calamidade dos céus. Não, não falo de pterodátilos. Me refiro a outro mamífero voador.

Borboletas! Isso mesmo! Não se deixem enganar por sua pretensa fragilidade e aparência inofensiva. É justamente aí que mora o perigo. É essa a imagem que elas querem vender, de um ser pacífico e inocente, um mero disfarce para camuflar sua real natureza criminosa.

Borboletas não se valem de garras e presas como outros animais bestiais, mas sim de artifícios maléficos e meios ardilosos para propagar o caos e a destruição. São bichos demoníacos, moldados pela seleção natural para serem assassinos impiedosos.

Para compensar a ausência de mecanismos físicos de defesa, ao longo das eras as borboletas foram desenvolvendo uma mente astuta para enfrentar seus predadores naturais, como sapos, gafanhotos e fiscais da Receita Federal. Mas com o tempo o que era uma necessidade de sobrevivência despertou nessas diminutas harpias satânicas uma sede de sangue incontrolável. Aos poucos, começaram a se tornar crueis. E gostaram disso...

Maquinando métodos cada vez mais eficazes para se proteger de seus inimigos, foram se tornando mais agressivas e impiedosas. Vejam bem, borboletas não caçam para sobreviver, se alimentam apenas do pólen das flores, de lasanha congelada e tofu. Por isso precisavam encontrar uma forma de dar vazão a esses impulsos assassinos, e assim desenvolveram um comportamento sádico e uma tendência irrefreável à violência gratuita, operando planos cruéis, espalhando a dor, o sofrimento e a cólera por pura diversão.

Muitos céticos agora estarão revirando os olhos em descrença, mas apenas porque se deixam levar pelas aparências. Um pitbull, um tigre de bengala ou um dromedário, por exemplo, apresentam características que os tornam explicitamente ameaçadores: estão sempre com a barba mal feita, de óculos escuros e vestindo jaquetas de couro, passando uma imagem de maloqueiros. Contudo, diante desses animais você já sabe o que esperar. O perigo mora justamente no desconhecido. E as borboletas são mestres na arte da dissimulação e do engodo, são capazes de fazer o mais vil gênio do crime parecer tão perigoso quanto um bebê em uma incubadora.

Claro, ninguém nunca ouviu falar de um caso em que uma borboleta se arrastou para fora de um beco escuro e estraçalhou um adulto de médio porte, mas eu não ligo para estatísticas. Até porque esse animal sórdido, dotado de uma mente fria e traiçoeira, jamais se deixaria ser pego tão facilmente.

Alguém já parou para pensar em quantos acidentes de carro devem ter sido provocados por borboletas e nunca provados? Ela entra pela janela e fica se debatendo na frente do motorista até ele perder a direção. Escapa, então, pelo vidro e vai sugar o néctar de alguma flor, triunfante, enquanto o automóvel arde em chamas no fundo de um fiorde.



(Mais uma vítima de um ataque implacável de borboletas. Crédito: um índio de bobeira)







Devo então citar a famosa frase: o bater de asas de uma borboleta pode causar um furacão do outro lado do planeta. Aí está! O criador dessa máxima obviamente estava tentando alertar o mundo sobre os perigos que esses demônios multicolores representam à humanidade. Com certeza o coitado pagou por isso com a vida, numa queima de arquivo à moda de traficantes de drogas, só que com muito mais requintes de crueldade e piadas ofensivas sobre a mãe da vítima (borboletas adoram humilhar e xingar a mãe). As borboletas não perdoam aqueles que tentam expor seu reinado invisível de terror.

Sim, elas vivem num mundo paralelo, tramando nas sombras, interferindo nos rumos da sociedade, mudando o curso da História, manobrando golpes de estado, derrubando dinastias, afundando embarcações no estreito de Gibraltar, disseminando a peste, a fome e a miséria, criando perfis fake no Facebook para espalhar mentiras e semear a discórdia.

Garanto que se o mundo abrisse os olhos para essa verdade incontestável muitas coisas passariam a fazer sentido. Vejam bem, conduzindo investigações sob esse novo escopo, muitos crimes não resolvidos poderiam finalmente ser solucionados.

Não me surpreenderia encontrar indícios da participação de borboletas, por exemplo, no famigerado Incidente Dyatlov. Para quem não sabe, vou contar do que se trata: nove alpinistas morreram nos montes Urais, na Rússia, em 1959, em circunstâncias que permanecem até hoje sem explicação. Segundo as investigações da época, alguma coisa fez os esquiadores rasgarem suas barracas de dentro para fora e fugirem desesperadamente sob forte nevasca. Os corpos foram encontrados dias depois. Duas vítimas tiveram o crânio esmagado, duas tiveram costelas partidas e outra estava sem a língua. Apesar disso, não havia sinais de luta e nem ferimentos externos. Autoridades atribuíram as mortes a uma "força incontrolável desconhecida". Restam apenas especulações sobre o que pode ter acontecido naquela fatídica expedição.

Percebem a trama? Que outra criatura seria capaz de causar um dano tão grande sem deixar vestígios? Um urso jamais fugiria sem deixar pegadas na neve ou galhos retorcidos; tribos selvagens também não teriam conseguido apagar todas as marcas. Nem mesmo alienígenas, que também entraram na lista de prováveis suspeitos, teriam tamanha frieza, sem contar que todos sabem que alienígenas preferem muito mais circular por Nova York, ou alguém em sã consciência realmente acha que eles iriam preferir ficar congelando o saco num frio de -30ºC no meio do fim do mundo quando poderiam estar batendo um dogão no Central Park ou tirando onda na Times Square?




(Aliens dão um rolê pelo Central Park. Crédito: Ellen Ripley) 



Eu estive envolvido no caso, e levantei a ideia, à época, que deveríamos procurar por colônias de borboletas nas redondezas. Obviamente fui chacoteado e terminei afastado do serviço, pois julgaram que eu estava começando a ter alucinações devido ao estresse. Admito, a versão que dei para o sumiço do bolo da geladeira da companhia uma outra vez havia sido meio fantasiosa, mas daquela vez eu estava falando sério.

Falar a verdade, contudo, tem seu preço. Alguém de dentro me dedurou, e, quando descobriram que eu sabia sobre sua real natureza, as borboletas passaram a me ver como uma ameaça, e desde então elas tentam me eliminar. Outro dia eu andava tranquilamente pela rua quando um andaime despencou sobre mim, mas por pouco desviei. Pude ver, ao longe, um par de asas flapeando para longe dali.

Portanto, da próxima vez que você ver uma borboleta, pense duas vezes antes de deixá-la pousar no seu ombro para dar sorte, pois você poderá morrer para sempre (Ou até sua família realizar um ritual satânico para ressuscitá-lo, mas aí você terá que aguentar a encheção de saco do seu pai dizendo como você só dá trabalho e não ajuda nos afazeres da casa, e você não ia querer isso, não é?).

Enfim, cuidado com borboletas. E tobogãs. Nunca confie em tobogãs, esses trapaceiros.

... Espere, que barulho foi esse?

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A trilogia de Braddock Lewis: Braddock Begins; Braddock Rises; Braddock Crusoé
Futebol, esporte Maldito (Ou: Pelo fim do pênalti)



sexta-feira, 10 de maio de 2013

Pelo fim do pênalti e o início de uma nova era no futebol (sem pênalti, não sei se ficou claro)

Braddock Lewis não tem credo, religião, raça, cor, espécie, filiação partidária ou time de futebol.

Assim como muitos brasileiros e bolivianos clandestinos, moro no Brasil, uma nação que se orgulha de ter inventado a feijoada, de ter se apropriado indevidamente da patente do chinelo de dedo e de ter o tal "pé na bola" grudado ao cotidiano como uma infecção subcutânea crônica.

Logo que aqui cheguei vindo das longínquas enseadas normandas, remando um caiaque furado, fui apresentado a tal esporte, e devo dizer que ele me empolgou tanto quanto observar musgo crescer nas pedras da praia. Jamais vi a graça em assistir por horas a um bando de incompetentes tentando acertar um chute a um alvo do tamanho de uma porta de celeiro - e falhando miseravelmente mesmo estando a dois centímetros de distância.

Aliás, sempre achei uma total imbecilidade como as pessoas idolatram jogadores de futebol por conseguirem executar minimamente bem os fundamentos do esporte que eles praticaram a vida inteira. Oras, é justamente isso que se espera de um profissional: que ele execute bem a tarefa à qual se propõe. Seria algo semelhante a louvar um carpinteiro por conseguir martelar um prego com eficácia.

Como um forasteiro, ao mesmo tempo em que eu conhecia o esporte mais popular desta terra, também me familiarizava com as práticas e costumes do povo. E não pude deixar de notar como há muito do futebol no cotidiano e muito do cotidiano no futebol. A forma como o jogo é jogado, as práticas e costumes dentro das quatro linhas, se refletem e se espelham nas práticas e costumes da população que o abraça como uma religião.

- Onde você quer chegar, Braddock? - pergunta um leitor impaciente. Acalme-se, porra, vou explicar. Tenho o espaço que quiser, isso é um blog, não um maldito jornal de notícias imobiliárias distribuído gratuitamente na porta do metrô.

Falo, é claro, da malandragem, da dissimulação, da falsidade, da calhordice, da pusilanimidade que permeiam a modalidade. Para ilustrar, vou tomar como ponto de análise a mania mais insuportável do jogo: a simulação de faltas. O futebol por aqui é praticamente um misto de arte cênica com apresentação circense, com uma porcentagem ínfima de atleticismo e uma dose quase nula de espírito competitivo.

Para começar, não há nada mais constrangedor do que ver marmanjos se contorcendo, rolando e fingindo uma dor lancinante, berrando feito crianças, por causa de um raspão no pelo da canela esquerda. Para servir de comparativo, certa vez testemunhei uma garotinha de sete anos ter uma perna decepada em um ataque de uma gangue de javalis a uma pequena vila aos pés das montanhas do Caralhistão. Isso sim seria motivo para choro, mas acha que ela ficou reclamando com o árbitro? Não! Ela levantou sem sequer retorcer o rosto de dor e retomou seus afazeres normalmente.

Essa prática abre feridas muito mais profundas do que aparenta. Ela fere a essência do esporte. A competição esportiva se sustenta sobre atributos como força, destreza, agilidade, astúcia, inteligência, perspicácia, sagacidade, competitividade, solubilidade e criatividade. O cai-cai substitui todos esses atributos admiráveis do engenho humano pela mais pura, cretina e traiçoeira malandragem. Em vez de tentar resolver a disputa por meio de qualidades atléticas, esses covardes de chuteiras tentam empurrar para o árbitro a todo momento a responsabilidade. Com isso, substitui-se o duelo franco por um confronto evasivo, cheio de subterfúgios, dissimulado, pusilânime, esvaziando ou deturpando completamente o sentido da competição.

Dizem que o esporte é uma metáfora da guerra. Ora, nunca vi um combate em que soldados fingem ser baleados e esperam um árbitro aparecer para dar a eles o direito de um tiro livre na cabeça do inimigo. E olhem que já estive em 14 dezenas de conflitos militares só no primeiro trimestre desse ano.

Acredito, porém, que o esporte possa ser um instrumento de educação. Não a toa alguns países mais avançados do mundo têm como preferência nacional modalidades muito mais complexas e desafiadoras, como salto ornamental de penhascos, esgrima com serra elétrica, pólo aquático em tanque de tubarões ou curling. Todos esportes que constroem o caráter e forjam um espírito guerreiro.

Como eu disse, a prática esportiva, mais que mero entretenimento, acaba por emitir padrões de comportamento e conduta para fora da arena. Ela dá exemplos de como se jogar o próprio jogo da vida. Por isso, é preciso pensar na mensagem que o futebol está passando. Cavar falta a torto e a direito é uma demonstração de fraqueza, é se encolher diante da missão dada, é se acovardar diante do desafio em vez de encará-lo de frente, de peito aberto.

- Ah, Braddock, mas você não está exagerando?

Não.

- Ah, mas há muitos jogadores que são cai-cai mas também fazem coisas incríveis com a bola.

Contra esse argumento tão sólido quanto um biscoito de polvilho, tenho apenas uma coisa a dizer: vá para o inferno.

- Mas Braddock, por que... - BANG! BANG! BANG!

- GAH!

Chega de interrupções.

O que incomoda mais é ver que ninguém condena veementemente essa atitude. Claro, alguns fazem uma crítica de leve aqui e ali, mas fica por isso mesmo. Logo abandonam a questão, mudam de assunto. Ninguém, nem aqueles que ganham a vida bradando comentários imbecis sobre o futebol, nunca se mostrou de fato indignado e nem cobrou enfaticamente uma mudança de postura.

Alguns enxergam a simulação como algo inerente ao esporte, dizem que faz parte, até acham legal essa "malandragem". Não me admira essa mentalidade. Os que endossam essas atitudes são os mesmos que amanhã estarão sanitizando banheiros de rodoviárias com a própria escova de dentes para sobreviver - ou apresentando algum programa esportivo na TV, muito mais ridículo.

Muitos esportes sofrem modificações nas regras de tempos em tempos. O futebol deveria se espelhar em outras modalidades que evoluíram ao longo dos anos. Vejam o basquete, que passou a premiar com uma chance de obter mais pontos aquele que, mesmo sofrendo uma falta, luta até o fim para concluir a jogada e fazer a cesta. Vejam o badminton, em que os competidores abdicaram do uso de máscaras protetoras e aceitam de bom grado o risco de serem cegados por um golpe de peteca. Veja a natação, que agora coloca piranhas na piscina para obrigar os nadadores a buscarem mais do que uma medalha, mas a própria sobrevivência (é mais interessante ainda quando os nadadores só descobrirem a presença dos peixes assassinos na hora em que saltam do bloco). Vejam o golfe... Não, golfe não. Golfe é uma merda.

Para isso estou aqui! Movido pela indignação, elaborei uma tese em que traço um paralelo entre a forma como o futebol é praticado com o caráter nacional. Essa análise gerou um livro brilhante, chamado “Futebol: o Ópio do Povo – Como um jogo idiota moldou o espírito de uma nação sem dignidade... E outras histórias (que não estão neste livro)”.

Esta obra, obviamente, jamais viu a luz do dia. As editoras que procurei se negaram a publicá-la. Todas temiam ser invadidas por uma multidão ensandecida armada com tochas e ancinhos.

Mas enfim, neste trabalho proponho transformações profundas para o futebol reencontrar a dignidade e voltar a ser um modelo de moral, fibra, perseverança e probidade administrativa. Primeiramente é preciso eliminar os fracos e preservar aqueles que reúnem características adequadas para fortalecer o caráter do jogo.

Por onde começar? Ora, pelo símbolo máximo da estupidez no futebol. Vínhamos falando da simulação de faltas. Pois bem, a falta capital do futebol é o pênalti. E é por aí que começo o ataque. No capítulo "A Marca dos Fracos", exponho como o pênalti se tornou um câncer que corrompe o espírito do jogo, sendo usado como uma brecha para atingir o objetivo – o gol – pelo mínimo esforço.

O pênalti é o anticlímax. É o catalisador da patifaria. Ele canaliza todas as energias para um ato deliberado de calhordice, prometendo sucesso fácil a custa de pouco esforço. Assim que finalmente consegue pisar na grande área, o atacante não procura suplantar as investidas dos adversários a todo custo por meio de suas habilidades e estufar as redes inimigas. Não: ele abandona a postura combativa e simplesmente espera o melhor momento para se atirar ao chão como um saco de adubo arremessado para fora de um trator em movimento, na esperança sórdida de ludibriar o árbitro e ter seu trabalho facilitado.

Prático, sim, mas eu pergunto: onde está a honra de sentir o gosto do sangue na boca ou o calor de uma hemorragia interna ao alcançar um objetivo a duras penas?

Eu digo onde ela está! A honra está longe daqui, assistindo a um franco duelo entre homem e animal em um emocionante campeonato de arremesso de atum na Nova Zelândia!

É essa a mensagem que o futebol passa: não é preciso se esforçar até o fim para obter êxito em uma empreitada, apenas atire-se ao chão e tudo será mais fácil.

A cavocada de pênalti é uma metáfora do famoso jeitinho nacionalesco. É a gasolina adulterada, o cheque voador, o pastel de vento, a obra sem alvará, o gato na fiação elétrica, a camuflagem dos índices de desemprego pela criação de postos de trabalho mal remunerados (e que não me apareça aqui nenhum agente federal disfarçado, pois serão todos expulsos a pontapés no fígado).

Esse mal deve ser extirpado do jogo. E como? Minha proposta é simples: a grande área deve se tornar uma zona neutra, em que seja válido qualquer contato físico, por mais brutal que seja.

Dentro da área, deve valer tudo para parar o adversário, até voadora na laringe. E o atacante precisará se manter de pé a qualquer custo, pois ninguém ligará para seus gritos de dor quando lhe derem com um pé de cabra no tendão de Aquiles. A mensagem é clara: se quer a vitória, lute até o fim. Serve para o futebol. Serve para a vida. Serve para o último chefão de "Resident Evil 14 - o Zumbi Malvado", para minigame.

E, claro, será preciso regular as expressões futebolísticas para a nova realidade. A famosa frase "caiu na área é pênalti" deverá ser substituída por algo mais singelo, como: "caiu na área leva bica no rim até mijar sangue".

Neste exato momento estou encaminhando à Fifa (por fax) uma cópia de meu livro, acompanhado de um telegrama em que sugiro (imponho sob graves ameaças) a revisão das regras em vigor.

Outro dia voltarei para defender a criação de uma lei que obrigue os motoboys a andarem de moto sem capacete.

Até lá.

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Batismo de fogo
O Dia em que me propus a ler "Crepúsculo"
O caso Freitag: O Início

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O dia em que me propus a ler "Crepúsculo"

Jamais, repito, jamais compre pastilhas de freio usadas de um guaxinim que use suspensório. Sim, como devem ter adivinhado, o breque de meu carro quebrou e precisei abrir um buraco no assoalho para frear à moda Fred Flintstone. Não se pode mais confiar em ninguém este mundo! Ninguém!

Bem, depois de esfoliar os pés no asfalto dessa cidade asquerosa, finalmente cheguei em casa. E se querem saber por que me demorei em aparecer, explico. Estive ausente durante esses dias pois estava envolvido com um serviço urgente. Nada demais, apenas resolver um caso de sonegação fiscal na Mineradora Sete Anões. Aqueles pivetes deram trabalho, mas tiveram o que mereceram e vão deixar as barbas de molho atrás das grades por um bom tempo. Isso resolvido, posso, enfim, dedicar a devida atenção a este blog.

E hoje trago um assunto muito pertinente e atual, como sempre aliás. Venho aqui para falar dessa mania que invadiu a literatura, a TV, o cinema, a Cracolândia, a padaria e até mesmo o bingo dominical das casas de repouso. Sim, falo do crescimento demográfico de mortos-vivos habitando o imaginário coletivo. Me refiro obviamente a esses zumbis e vampiros bons, maus, românticos, tímidos, extrovertidos, carnívoros, vegetarianos, veganos, budistas, não importa. Há todos os tipos, personalidades, profissões, cores e credos.

É preciso observar que, com isso, vêm à ordem do dia a reflexão sobre temas caros a vocês, humanos, como mortalidade, existencialismo, filosofia greco-australiana, avanços científicos na área da saúde e a migração de gansos selvagens no inverno.

A que se deve esse crescente interesse nesses assuntos (sobretudo no que se refere aos gansos)? Seria um sinal da angústia dos tempos modernos, em que a velocidade dos acontecimentos se contrapõe à brevidade da vida, gerando assim uma compreensão da trágica condição humana perante a inexorável roda do tempo? Seria uma válvula de escape à tomada de consciência do delicado equilíbrio traçado pelos avanços tecnológicos, que ao mesmo tempo nos protegem e nos ameaçam, expondo nossa fragilidade diante da força do mundo? Seria uma resposta inconsciente à noção do paradoxo existencial pós-moderno, em que tudo que é sólido desmancha no ar? Seria uma tomada de postura niilista ante às estruturas psico-político-sócio-economicistas vigentes? Ou mero entretenimento alimentado pela mais absoluta falta do que fazer mesmo?

Para investigar esse fenômeno cultural mais a fundo, eu, Braddock Lewis, fui atrás da origem! Tudo começou há alguns anos, com um livro que causou histeria coletiva entre os adolescentes e até mesmo alguns adultos. Não, não é o "Manual ilustrado do Kama Sutra, by Justin Bieber". Refiro-me ao tal de “Crepúsculo”. Obviamente, isso não passaria incólume pelo olhar atento de Braddock Lewis, o fiapo de manga entre os molares da sociedade. Por isso, decidi fazer uma profunda análise dessa obra patética.


(Legenda ao estilo Folha de S. Paulo: mão segurando uma maçã em um fundo preto e com um título em cima)

“Mas o senhor, por acaso, leu o livro?”, quer saber um indignado leitor com o cérebro intoxicado de tanto usar tintura nos cabelos para deixá-los negros como os de um vampiro. Ora, mas é claro que não! Tenho mais o que fazer. Desde quando preciso ler um livro para tomar conhecimento de seu conteúdo? Acaso os sunitas perguntaram se eu havia tomado café da manhã antes de atearem fogo à minha choupana? Não! Pois digo, de uma vez por todas: não li e não gostei!

A verdade é que até peguei o livro para ver do que se tratava. No entanto, assim que o abri e comecei a correr os olhos pela primeira linha, as palavras começaram a se mover, desesperadas, tentando escapar da minha visão incandescente.

A página acabou pegando fogo, e as palavras tiveram de pular para fora do livro para escaparem com vida. Elas foram buscar abrigo em um exemplar da obra “Prolegômenos a Toda Metafísica Futura”, que estava esquecida em minha estante. O que houve ali foi uma cena brutal: as palavras começaram e se digladiar umas com as outras.

Foi uma confusão. “Edward” tentava apunhalar o “imperativo categórico”, enquanto “vontade legisladora” buscava aplicar uma chave de braço em “Bella”. Por fim, "moral empírica" e suas aliadas encurralaram as palavras de “Crepúsculo” no limite da folha e empurraram todas para a contracapa. Foi então que "Immanuel Kant" apareceu, pegou o “1” de "ano da publicação: 1934", fez um arpão, e terminou por destrinchar os verbetes invasores.

Assim, as palavras de “Prolegômenos” saíram vitoriosas, pegaram as letras adversárias como espólio de batalha e criaram um novo apêndice. E eu fui fazer um sanduíche. Peguei duas fatias de mortadela, uma folha de alface americana... ops, tergiversei.




(Eis aí o que sobrou de minha estante. Crédito: Ismirino, a fagulha andante)







Pois bem, movido por um certo senso de justiça e um respingo de sadismo, me propus a, pelo menos, assistir a uma das películas de "Crepúsculo". Eu estava a caminho da locadora quando, no caminho, notei uma formiga caminhando pela calçada. Por uma questão de prioridades, pus-me a segui-la, e acabei esquecendo do que ia fazer. Então acabei desistindo de alugar o filme. E essa é a análise mais honesta que você lerá sobre "Crepúsculo".

Agora com licença que preciso trocar a sola de meu sapato e assistir ao último capítulo da temporada de The Walking Dead.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Fui ver "Os Mercenários"... E consegui!

Crítica publicado no jornal A Gazeta Grunhidora, em 2/2/2010. Por que publiquei só agora? Em primeiro lugar, não é da sua conta, palhaço. Em segundo lugar, porque eu quis.

Fui assistir a “Os Mercenários”. Sim, exatamente, aquele filme com o Silvestre Stalongue. Era um terrível sábado de sol, e resolvi deixar meu escritório empoeirado por um segundo enquanto Ismirino, meu fiel escudeiro, realizava a faxina semanal.

Havia muito tempo eu não imergia em uma sala escura e me deixava seduzir pela magia de um projetor de imagens na telona, então lá fui eu. Dirigi-me ao Cine Tonhão, na região central de Maldito Paulo (de santo essa cidade nojenta não tem nada). Mas, qual não foi minha surpresa ao descobrir que um incêndio havia consumido o prédio em 1975?

Perguntei então a um mendigo que passou a dormir naquele local abandonado onde eu poderia encontrar um cinematógrafo. Ele não sabia do que eu estava falando. Foi então que percebi que muita coisa devia ter mudado desde a última vez em que fui a uma sessão. Ah, a estréia de “Cidadão Kane”, que obra prima.


(- Essa não, estamos cercados por um batalhão armado até os dentes, e tudo o que temos para nos defender é essa lanterninha!
- Maldição, devíamos ter chamado Braddock Lewis!)

Andei por muito tempo até finalmente chegar a uma grande construção, com altas colunas, arcos, córdobas e poncius-pilatus. Era um desses malditos antros da modernidade e da aglomeração de tipinhos toscos. Sim, era um shopping. Descobri que havia um cinema no último andar e, então, subi por meio de um artefato muito engenhoso, chamado escada-rolante.

Chegando à bilheteria, uma fila monumental se extendia à minha frente, que descia as escadas, formava um caracol, pegava o elevador, subia pelas paredes, entrava na tubulação, pedia um sanduba no Burger King e lia um livro na Saraiva.

Nunca peguei uma fila em minha vida, e não seria aquela a primeira vez. Fiquei ao lado do vendedor e esperei alguém comprar um ingresso para “Os Mercenários”. O primeiro pediu para a sessão dublada, então apenas apliquei-lhe uma rasteira para que rolasse abaixo pela rampa de acesso a deficientes. O segundo comprou para a sessão que eu queria, então extraí-lhe o bilhete com um rápido movimento de mãos e um esguicho de desodorante em spray nos olhos.


(Sempre tem um cabeçudo para tapar a visão. Mas quem diabos usa um chapéu no cinema? Crédito da foto: Chapeleiro Maluco)



Entrei na sala, expulsei um simpático casal de adolescentes e ocupei duas poltronas para aguardar confortavelmente o início do filme. Foi então que vi algo que me fez rir pela primeira vez em 37 anos. À medida que se aproximava o início do longa, notei que o público que começava a entrar na sala era praticamente constituído por figuras que você só encontra em academias e em lojas de suplemento alimentar.

Eram vários tipos com camisas coladas, regatas, tatuados, cabelo em corte militar ou lambuzado em gel, aquele tipo de metrossexual enrustido ou praticantes de jiu jitsu. Todos, presumi, estavam ali para ver quantos supinos ainda precisariam fazer e quantas claras de ovo precisariam comer para se assemelharem com os atores que apareceriam na telona.

A certa altura, minha risada comedida adquiriu certo grau de histeria diante daquela invasão de aspirantes a Mister Universo da Penha, a ponto de eu não conseguir me conter, levantar, me dirigir a um daqueles patifes, apontar para a cara dele e expelir uma gargalhada descontrolada.

Resumindo a história, alguns desses jovens vieram para cima de mim revoltados. Como eu estava em menor número, precisei chamar dois amigos meus que nunca me deixam na mão: meu punho direito e meu cotovelo esquerdo. Sim, aqui estou eu sem um arranhão. Quanto ao filme, aí vai a única crítica que vale a pena ser lida: é legal.

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