segunda-feira, 1 de abril de 2013

Uma breve apresentação

Oi!

Meu nome é Braddock Lewis, você deve ter notado pela placa na porta do meu escritório. Se você está aqui é porque não está em nenhum outro lugar, o que não significa que seja bem-vindo.

Você provavelmente não me conhece, afinal não frequentamos os mesmos círculos. A não ser que resgatar prisioneiros de guerra em uma fortaleza de bambu construída sobre um banco de areia movediça na fronteira do Suriname com a Guiana Francesa seja seu ideal de programa para uma sexta-feira à noite.

Quer saber quem sou eu? Isso não é da sua conta, palhaço!

Tudo o que você precisa saber é que eu não sou o tipo que você gostaria que aparecesse na sua casa  no meio da madrugada para alimentar seu peixinho dourado.

Aviso logo de cara: sou um sujeito de poucas amizades. Tenho apenas dois amigos, mas que nunca me deixam na mão: meu revólver e meu cruzado de direita. Eles não são de conversa, mas crescemos na mesma vizinhança, então nos entendemos bem.

A noite é meu manto, o asfalto queimado é meu chão, o monóxido de carbono que exala do tubo furado do meu aquecedor a gás é o ar que respiro – isso quando não estou com um dos meus cigarros de erva daninha na boca.

Recentemente aprendi a ouvir o silêncio e a andar sem sair do lugar. Sou um cara sincero. Vou direto ao assunto, sem rodeios. Odeio metáforas. Desprezo a sinédoque. Cuspo na cara da hipérbole. Refuto veementemente a catacrese e acho o pronome pessoal do caso reto uma grande farsa.

Carrego um arsenal de frases de efeito, bebo suco de urtiga no café da manhã para afiar a língua e aguçar os sentidos. À noite, rego a coerência com uma garrafa de absinto.

Desvirtuo a realidade com doses homeopáticas de surrealismo. Entorto papos retos, abalizo sincretismos, concilio discrepâncias e jamais deixei um sudoku incompleto.

Meu esporte é a roleta russa. Fui campeão nacional há alguns anos, mas a liga fechou por falta de membros. Atualmente me dedico a atividades mais leves, como basejumping e leitura de bula de remédios tarja preta. Meu autor preferido: Bayer.

Meu estilo de vida não é saudável, mas não posso me queixar. A última vez que peguei uma gripe foi no inverno de --72. Eu era jovem e incauto, e queria saber se a luz da geladeira realmente se apaga quando a porta se fecha.

Sou um homem de hábitos simples e crenças sólidas. Acredito que o tempo é o melhor remédio, que a propaganda é a alma do negócio, que os últimos jamais serão os primeiros e que aquele bife suculento que servem no Bar do Tobias não é carne de mendigo, como dizem por aí.

Abraço a vida todos os dias e dou um peteleco na orelha da morte todas as noites. Meu lema é “viva hoje como se estivesse com enfisema pulmonar”. Minha religião é um copo de uísque com duas pedras flutuando dentro.

Deus? É um sujeito sagaz e com um senso de humor que admiro para um cara da idade dele e com tanta responsabilidade nas costas. Mas nem pense em emprestar dinheiro pro safado. Se você procurá-lo depois de dois meses para cobrar a grana ele oferecerá o pagamento em piedade divina e salvação do fogo eterno.

Garantir minha paz de espírito vá lá, mas quem vai encher o tanque do meu Chevete baleado?

O Diabo? É apenas um cara com um ponto de vista diferente, e com um péssimo tino para o marketing pessoal. Já tentei ajudá-lo com isso, mas nossos gênios não batem.

Se tenho medo? O medo é apenas um velho conhecido com quem fiz um acordo há muito tempo: ele não mexe comigo e eu não mexo com ele. Nesse ramo você aprende a lidar com o medo. É como aquele estranho que você encontra todo dia no ponto de ônibus e eventualmente acaba trocando uma ideia até a condução chegar e cada um ir para um lado, mas com quem nunca terá um vínculo profundo a ponto de convidá-lo para o aniversário de seis anos da sua filha.

A solidão é minha companheira. Prefiro assim. Até ontem eu tinha um porquinho da índia, mas precisei eliminá-lo quando começou a me olhar de um jeito estranho.

“Você está ficando paranóico”, dirá você. Pois bem, tente controlar os nervos com um tubarão branco pilotando uma locomotiva na sua direção no meio do deserto. É aí, meu amigo, que os homens se separam dos lobos.

Desconfio que meu cérebro esteja tramando para me matar. Ultimamente tenho achado que estou desenvolvendo dupla personalidade. E esse carinha interior definitivamente não gosta de manteiga de amendoim. Outro dia mesmo precisei apunhalar minha mão esquerda quando ela tentou arrancar meu olho com um saca-rolha.

Não vou negar: ando meio tenso. Sinto-me como uma biribinha de festa junina jogada no meio de uma apresentação de dança irlandesa. A qualquer momento posso explodir. E você não vai querer estar por perto quando o corvo da meia-noite der seu mergulho derradeiro.

Como disse, ando meio tenso. Mas sigo firme. Firme como prego na areia... Minha fé de que ainda vou encontrar a raspadinha premiada me faz levantar da cama todos os dias, mesmo quando minha mente me diz que não há nada para mim lá fora.

O que eu faço? Bem, se você disser que o trabalho define a pessoa, eu lhe digo que você é um pobre coitado sem razão para continuar secretando bílis.

Meu ofício não requer diplomas, não se aprende em salas de aula. Minha professora foi a vida, essa vadia sem coração. Me formei nas ruas, me pós-graduei com os bárbaros hiperbóreos e obtive o doutorado desarmando bombas de nitroglicerina em trens desgovernados. Recentemente fiz um curso de gastronomia.

Isso posto, digamos somente que meu ramo se situa num campo  nebuloso entre lógica e intuição, razão e instinto, digressão e pragmatismo. Nesse ramo não se entra pela porta da frente. Um bela dia você é simplesmente tragado por ele, e de repente você se vê no meio de um bar em Amsterdã discutindo metafísica barata com traficantes de guarda-chuvas.

Não é uma vida fácil, mas se eu quisesse sossego jamais teria abandonado a Unidade de Resgate em Penhascos do Corpo de Bombeiros dos Alpes Suíços. Era uma época mais tranquila, realmente. Mas sentia que aquilo não era para mim.

Eu poderia ter seguido outros rumos, talvez estivesse alcançado uma condição melhor. Quem sabe poderia estar levando uma vida mais pacata,  Mas não. Preferi ser a pedra do que a vidraça.

Escrever me acalma. Gosto de deslizar os dedos pelo teclado e transferir minhas ideias para o papel após um dia cansativo. Ajuda a limpar a mente e desobstruir o raciocínio.

E antes que me perguntem, sim, tenho mais o que fazer, patifes.

5 comentários:

Toussaint Louverture disse...

Pensem no Haiti, rezem pelo Haiti...

Zé Pirita disse...

Senhor Braddock.

Achei deveras interessante seu blog, mas lhe pergunto: não seria melhor o senhor produzir textos mais curtos?

Hoje em dia há muita informação para se absorver. Quem você acha que vai parar aqui para ler essa quantidade absurda de caracteres?
Não seria melhor ter economizado letras nesse tempo de crise?

Eu me pergunto, não seria mais útil nós mesmos plantarmos nossos próprios alimentos???!!!

Noé disse...

Vamos, vamos!! Entrem na Arca!!!

Geógrafo da Silva disse...

O mangue é um belo ecossistema.

Manguebeat disse...

Quando a maré encher. Quando a maré encher!